Sob pressão do Judiciário, projeto que limita “supersalários” está parado no Senado

Sob pressão do Judiciário, projeto que limita “supersalários” está parado no Senado

 

Prédio do Congresso Nacional (ao fundo) visto a partir da sede do Supremo Tribunal Federal (STF): Judiciário faz pressão contra projeto que limita supersalários no serviço público.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Porto Velho, RO - Aprovado na Câmara após quatro anos de espera, o projeto de lei que regulamenta vencimentos acima do teto constitucional no serviço público "empacou" no Senado. Sob pressão de representantes do Judiciário, o chamado PL dos supersalários está desde julho na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, onde não teve nem sequer relatoria definida até agora.

O projeto normatiza as regras para o pagamento de adicionais aos salários de servidores públicos, de modo a garantir a aplicação do teto remuneratório previsto na Constituição, que equivale ao vencimento de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 39.293,32. 

O objetivo é definir, entre os chamados “penduricalhos”, as parcelas que são de natureza remuneratória e, portanto, devem ser somadas ao salário base para a incidência do teto.

O PL excetua um total de 31 verbas que, por terem natureza indenizatória, não entrariam na conta. São pagamentos como auxílio-moradia, adicional de férias, auxílio-alimentação, 13º salário, adicional de insalubridade, adicional noturno, auxílio-creche, auxílio-transporte, ressarcimento de plano de saúde, pagamento de férias não gozadas, entre outros. Nesses casos, o texto ainda fixa um limite para o recebimento de valores.

O Judiciário é o poder que concentra os maiores salários no funcionalismo público brasileiro e a maior proporção de vencimentos acima do teto. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), que representa mais de 14 mil juízes, é publicamente contra o projeto e mantém interlocução com parlamentares para pedir ao menos alterações no texto.

O argumento é que a magistratura tem um regime jurídico próprio, regido pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman), e que cabe ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentar e fiscalizar as carreiras do Judiciário.

Poucas semanas depois da aprovação da matéria na Câmara, a presidente da AMB, Renata Gil, se reuniu com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e com o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para tratar do PL.

“Há um equívoco entre o que é verba indenizatória e remuneratória. A ideia é que de forma conjunta possamos pontuar o que ficou fora de parâmetros constitucionais e parâmetros de um adequado funcionamento do Poder Judiciário”, disse Renata em nota divulgada pela entidade.

A AMB não retornou os pedidos de contato feitos pela Gazeta do Povo ao longo das últimas semanas. Em outubro, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, a presidente da associação afirmou que o presidente do STF, ministro Luiz Fux, estaria com um projeto de revisão da Loman “pronto para ser apresentado ao parlamento brasileiro”.

Recentemente, ao jornal O Estado de S.Paulo, Fux disse se opor ao projeto de lei que tramita no Congresso. O ministro não seria contra barrar salários acima do teto remuneratório a servidores da Justiça, mas, para ele, as mudanças na Loman deveriam partir de iniciativa do Poder Judiciário, e não do Legislativo.

Em setembro, o desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), encaminhou ofício ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, pedindo alterações no texto.

No documento, ele sugere, por exemplo, que o auxílio-saúde seja limitado a valor equivalente a 10% do salário, e não em 5% como na proposta aprovada na Câmara, que foi relatada pelo deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR). 

No texto, Franco pede ainda que seja mantido o limite de 60 dias para adicional de férias e indenização de licença-prêmio, critica a fixação de limite correspondente a 2% do salário para diárias quando há afastamento do local de trabalho e propõe a inclusão de um dispositivo que exclua parcelas em atraso da incidência do teto.

Finalmente, ele sugere que sejam excluídas do abate-teto gratificações decorrentes do exercício cumulativo de funções administrativas por juízes. “Evidente que o projeto de lei está acompanhado de bons propósitos e procura conferir alguma previsibilidade para as parcelas devidas aos servidores públicos. 

Todavia, tudo isso não pode envolver a criação de situações claramente afastadas da razoabilidade e da isonomia. Ao fim e ao cabo, não pode criar injustiças”, escreve o magistrado.

O projeto foi criado no Senado pela Comissão Especial do Extrateto e aprovado no plenário da Casa em dezembro de 2016. Enviado à Câmara dos Deputados, teve relatório apresentado em novembro de 2018, mas levou mais dois anos e meio para ser colocado na pauta de deliberação do plenário.

Relator da proposta na Câmara, Rubens Bueno diz que houve dificuldades para avançar com a matéria em razão da pressão de magistrados e procuradores. Em uma audiência pública, representantes de associações que integram a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) disseram que o projeto conteria “riscos à democracia e à independência funcional das categorias”.

A votação em plenário ocorreu em julho deste ano após um acordo entre líderes partidários, que consideraram incoerente a análise da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa sem a revogação de privilégios a determinadas categorias do serviço público. 

Às vésperas da votação, entidades como a AMB e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) procuraram deputados para convencê-los a votar contra a aprovação da matéria.

Como a versão aprovada na Câmara foi um substitutivo de Bueno, o projeto retornou no dia 16 de julho ao Senado, onde está parado desde então à espera da designação de relatoria na CCJ. Nos cálculos do deputado, a aprovação do projeto levaria a uma economia de R$ 3 bilhões por ano aos cofres públicos.

Fonte: Por Célio Yano, 06/12/2021

Postar um comentário (0)
Postagem Anterior Próxima Postagem