
Por Roberta Ribeiro
A herança e o planejamento patrimonial devem passar por uma transformação dupla nos próximos anos.
De um lado, a proposta de reforma do Código Civil em debate no Congresso traz mudanças profundas nas regras de sucessão, alterando o papel do cônjuge e ampliando as possibilidades de exclusão de herdeiros. De outro, a reforma tributária já aprovou novas regras para a cobrança do ITCMD, o imposto sobre heranças e doações, que terá alíquotas progressivas e pode aumentar a carga tributária na transferência de grandes patrimônios.
O Projeto de Lei (PL) 4/2025, que propõe atualizar o Código Civil, é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e foi apresentado quando ele ainda presidia o Senado Federal. A proposta altera cerca de 900 pontos da regra atual e inclui 300 novos dispositivos.
Ana Paula Peixoto, sócia e chefe da área jurídica da Legend, empresa especializada em gestão e sucessão patrimonial, avalia que as mudanças que estão sendo analisadas trazem mais liberdade para a pessoa decidir o destino de seus bens.
Sob essa perspectiva, ela entende que o planejamento patrimonial torna-se mais flexível e personalizado, possibilitando que cada um organize a transferência de seu patrimônio de acordo com seus próprios valores, inclusive levando em conta critérios mais afetivos – como beneficiar alguém com quem tem mais vínculo.
“Essa liberdade é muito positiva, mas exige documentação mais estruturada para evitar brigas no futuro. Isso pode incluir testamentos bem redigidos, com estabelecimento de cláusulas restritivas, com indicações de curadores e de regras de governança familiar”, afirma.
Código Civil vigente foi aprovado há mais de duas décadas
O atual Código Civil, aprovado em 2002, substituiu as normas legais editadas em 1916, que vigoraram de 1917 a janeiro de 2003.
“Então, sob alguns aspectos, ele nasceu defasado. Passados mais de 20 anos, independentemente de concordar ou não com as mudanças, é necessário que elas venham para, entre outras finalidades, enfrentar os desafios contemporâneos”, afirma.
Nova proposta modifica status e acesso do cônjuge à herança
Uma das principais modificações propostas em relação à herança é a alteração do status do cônjuge e de companheiros, que deixariam de figurar entre os herdeiros necessários.
Atualmente, filhos, pais e o cônjuge (ou companheiro, em equiparação via jurisprudência) são considerados herdeiros necessários. Por essa razão, a lei garante a estes uma parte obrigatória de 50% do patrimônio, chamada de "legítima".
Com a eventual mudança, viúvos e viúvas teriam que ser explicitamente indicados no testamento para receber sua parte do patrimônio, ao contrário de pais, filhos e netos.
Cônjuges deixariam de receber herança
Segundo Ana Paula, desde o primeiro momento, essa modificação gerou muita controvérsia, já que, se for aprovada, a herança somente será concedida ao cônjuge na ausência de descendentes e de ascendentes, independentemente do regime de casamento ou união estável.
“Mais do que isso. Deixando o cônjuge/companheiro de figurar no rol dos herdeiros necessários, poderá ser excluído do recebimento da herança, se a pessoa assim expressar sua vontade”, explica.
Herdeiros necessários poderão ser excluídos
Outra mudança importante que a proposta do novo Código Civil traz é a possibilidade de excluir herdeiros necessários em caso de "ofensa à integridade física e psicológica" e "desamparo material e abandono efetivo, voluntário e injustificado".
Atualmente, o Código Civil prevê a possível deserdação em quatro situações: ofensa física, injúria grave, relações ilícitas com madrasta ou padrasto e em caso de desamparo em alienação mental ou doença grave. Ou seja, a nova regra amplia as possibilidades de deserdação.
Além das alterações anteriormente citadas, a proposta do novo Código Civil ainda estabelece:Direito real de habitação do cônjuge no imóvel onde o casal morava, caso não tenha outro lugar para residir.
Direito de usufruto de um imóvel no testamento, especialmente em casos de dependência financeira do falecido.
Equiparação entre cônjuges e companheiros na sucessão, eliminando distinções legais existentes.
Redução da parte da legítima (destinada aos herdeiros necessários) de 50% para 25% do patrimônio.
Extinção dos testamentos aeronáutico, marítimo e de guerra – realizados em casos especiais, de morte iminente em aeronaves, navios ou situações de combate.
Criação do testamento emergencial, válido por 90 dias e sem a necessidade de testemunhas.
Criação do testamento conjuntivo, que permitiria a cônjuges ou companheiros elaborarem testamentos recíprocos para suas partes disponíveis da herança, modalidade atualmente vedada.
Reserva de 25% dos bens da parte legítima para um herdeiro considerado hipossuficiente e vulnerável.
Inclusão de herdeiros ainda não nascidos no momento da morte do testador, incluindo aqueles gerados a partir de material genético congelado.
Criação do testamento conjuntivo, que permitiria a cônjuges ou companheiros elaborarem testamentos recíprocos para suas partes disponíveis da herança, modalidade atualmente vedada.
Reserva de 25% dos bens da parte legítima para um herdeiro considerado hipossuficiente e vulnerável.
Inclusão de herdeiros ainda não nascidos no momento da morte do testador, incluindo aqueles gerados a partir de material genético congelado.
Testamentos em formato de vídeo ou outros meios digitais, com assinatura digital.
Inclusão da herança digital no testamento, abrangendo criptomoedas, senhas de redes sociais, vídeos, fotos, documentos e mensagens.
Inclusão da destinação que deverá ser dada a materiais genéticos armazenados no testamento.
Herança e gestão patrimonial exigirão atenção
Caso as novas regras sejam aprovadas, Ana Paula entende que será preciso ter cautela e apoio de profissionais capacitados para garantir que a vontade dos testamentários seja obedecida.
Para quem já está fazendo o planejamento sucessório, a revisão no Código Civil trará a necessidade de revisar testamentos, checar apólices de seguros e alinhar os veículos de investimento (como fundos exclusivos) à sucessão.
Reforma tributária também traz novas regras para herança
Ainda que não faça parte das discussões sobre as alterações no Código Civil, a implementação da reforma tributária também terá seus impactos no planejamento sucessório e nas heranças.
A reforma tornou obrigatória a adoção de uma alíquota progressiva de até 8% no Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), um tributo estadual. Também haverá mudanças na base de cálculo do imposto.
De acordo com Humberto Aillon, especialista em mercado financeiro e empresas na Fipecafi, a incidência do imposto será calculada de forma independente por herdeiro.
Foi definido um limite máximo de alíquota, que não poderá exceder 8%, mas cada estado mantém sua independência para definir as faixas e regras.
Imposto pode diminuir nas heranças de menor valor, e aumentar nas maiores
Segundo Aillon, utilizando como exemplo estados cuja alíquota atual é de 4%, uma herança de até R$ 300 mil terá redução de cerca de R$ 6 mil com os impostos – a alíquota, nesse caso, muda de 4% para 2%.
Em contrapartida, uma herança acima de R$ 3,5 milhões terá elevação na alíquota de 4% para 6%, gerando um aumento de cerca de R$ 70 mil.
Herdeiros únicos pagam mais imposto
Outro exemplo citado por Aillon diz respeito à diferença de cobrança do ITCMD para herdeiros únicos ou múltiplos. Uma herança de R$ 15 milhões, por exemplo, considerando uma alíquota de 4%, teria incidência de R$ 600 mil de imposto. Com a nova alíquota, se o herdeiro for único, o imposto será de R$ 1,2 milhão, um aumento de 100%.
Se, por outro lado, a herança fosse destinada a dois herdeiros em proporções iguais, o aumento total seria de R$ 300 mil, ou 50%.
“No geral, será necessária uma boa revisão do planejamento familiar, pois haverá diversos casos em que o percentual será reduzido, mas a arrecadação será maior, o que impactará as pessoas envolvidas no plano patrimonial”, afirma.