
Por Por Ana Carolina Curvello
O advogado Enrique Lewandowski, filho do atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, aparece como um dos possíveis convocados para ser ouvido na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS.
O requerimento de convocação foi apresentado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF), que aponta indícios de conflito de interesses e possível tráfico de influência no maior esquema de fraude previdenciária já investigado no país.
Segundo o documento, Enrique foi contratado para defender duas entidades acusadas de comandar a fraude: a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) e o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap).
Essas organizações são apontadas pela AGU como “entidades de fachada”, responsáveis por desviar R$ 730 milhões de aposentados e pensionistas. O Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que o escritório de Enrique Lewandowski não atuou "no âmbito" da pasta e que a autonomia do ministério não foi comprometida. A Ambec e o Cebap não responderam à reportagem.
O contrato do advogado previa a representação junto a órgãos federais, como a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao ministério comandado por seu pai. Para Izalci, isso aumenta a suspeita de conflito de interesses e levanta dúvidas se a contratação não teria sido uma forma de blindagem político-jurídica do esquema.
A contratação ocorreu pouco antes da Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal, a maior já feita contra fraudes previdenciárias. Nesse contexto, a presença de Enrique Lewandowski na defesa dos investigados, segundo Izalci, é vista como uma estratégia que extrapola o campo jurídico, podendo indicar tentativa de intimidação das instâncias de controle e obstrução da Justiça.
Assim que o caso veio à tona, Enrique Lewandowski divulgou nota ao jornal O Globo, na qual reafirmou que seu escritório não atuou junto ao Ministério da Justiça. Segundo ele, o contrato firmado com a entidade investigada se limitava a uma proposta de prestação de serviços na área do direito administrativo, sem envolver a esfera criminal.
No entanto, documentos da contratação previam a possibilidade de representação da entidade em órgãos federais, como a Senacon vinculada ao ministério — ponto que levantou as suspeitas de conflito de interesses.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, Enrique Lewandowski disse que se desvinculou do Cebap depois que a Polícia Federal começou a investigar o caso. O jornal divulgou uma ata de reunião na qual o advogado teria se reunido com o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, em dezembro de 2024.
Em 29 de abril de 2025, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, negou qualquer conflito de interesses relacionado à atuação do escritório de seu filho no caso envolvendo o INSS. De acordo com ele, o trabalho do escritório é “perfeitamente legal”, respaldado por regras e comissões de ética da OAB. Ele afirmou ainda que não houve petição, audiência ou requerimento vinculando o escritório ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, reforçando a autonomia da pasta.
A declaração de Lewandowski antecedeu o requerimento do senador Izalci Lucas e foi feita durante audiência da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, após questionamentos de parlamentares da oposição.
Pontos que a CPMI quer esclarecer
O requerimento lista questões centrais que a CPMI pretende cobrar do advogado:A origem dos recursos que pagaram seus honorários — suspeita-se que o dinheiro veio do montante desviado dos aposentados;
As tratativas com operadores do esquema, como o empresário Maurício Camisotti;
Eventuais contatos formais ou informais com agentes públicos em nome de seus clientes.
Para o senador Izalci Lucas, ignorar a convocação seria “uma falha indesculpável” da comissão, já que Enrique teria atuado na linha de frente da defesa dos principais beneficiários da fraude.
Na justificativa da convocação, Izalci reforça que a presença do filho de Lewandowski "não é apenas oportuna, mas uma medida inadiável e indispensável para a completa elucidação de um dos mais predatórios esquemas de corrupção já perpetrados contra a população vulnerável do Brasil".
"O depoimento do convocado é peça-chave para desvendar a arquitetura completa da organização criminosa, que evidentemente não se limitava à fraude operacional, mas se estendia a sofisticadas estratégias de defesa política e jurídica para garantir sua impunidade", disse o parlamentar.
O peso político do sobrenome
Além das questões jurídicas, o requerimento destaca o “peso simbólico” do sobrenome Lewandowski: o advogado é filho da autoridade máxima a que a Polícia Federal está subordinada no auge das investigações. Para os parlamentares, essa ligação direta com o ministro da Justiça reforça a necessidade de esclarecimentos públicos.
Em resposta à Gazeta do Povo, a pasta afirmou que “não há, nem houve nenhuma atuação do referido escritório no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública”, destacando que não existiu “nenhuma petição, audiência ou requerimento — absolutamente nada que pudesse comprometer a autonomia do ministério”.
O comunicado acrescenta ainda que, por se tratar de contrato estritamente particular, não há conflito de interesse, ressaltando que a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União apuraram o caso com absoluto rigor, sem poupar nenhuma instituição envolvida.
A reportagem entrou em contato com o escritório de Enrique Lewandowski e com representantes das entidades Cepap e Ambec para que se posicionem sobre as acusações e o requerimento apresentado na CPMI. Até a última atualização desta matéria, não houve resposta.