Projeto RECA desenvolve produção sustentável há 40 anos na Amazônia


Plantio de cupuaçu gera emprego e renda. (Foto: Divulgação)

Porto Velho, RO - No coração da Amazônia brasileira, entre Rondônia, Acre, Amazonas e Bolívia, pulsa uma das mais inspiradoras histórias de resistência, inovação e compromisso socioambiental do país.

Fundada oficialmente em 1989, o RECA – Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado – é muito mais do que uma cooperativa de agricultores familiares: é um símbolo vivo de como a produção pode caminhar lado a lado com a floresta em pé.

Com quase 40 anos de história, o RECA surgiu da união de famílias migrantes que, ao se estabelecerem no então recém-demarcado distrito de Nova Califórnia (RO), se depararam com dificuldades extremas: malária, falta de infraestrutura, ausência de assistência técnica e pressão para desmatamento.

“A Amazônia era um mistério para nós. Enfrentamos o abandono institucional e aprendemos, com os povos da floresta, a respeitar os ciclos da natureza. Foi a partir dessa troca de saberes que começamos a planejar uma nova forma de viver e produzir aqui”, relembra Hamilton Condack, presidente da cooperativa.


Cupuaçu: fruto da resistência e esperança

Atualmente, o RECA conta com mais de 300 famílias associadas, divididas em 10 grupos produtivos que trabalham em mais de 1.000 hectares de Sistemas Agroflorestais (SAFs), o equivalente a 1 mil campos de futebol.

Entre os diversos produtos processados e comercializados – como açaí, castanha-do-brasil, palmito de pupunha, óleos vegetais e sementes – o cupuaçu é o grande carro-chefe. “O cupuaçu se adaptou muito bem ao solo, ao clima da região e foi a cultura que mais respondeu positivamente em produtividade e mercado”, explica Hamilton.

Segundo o RECA, só em 2025, a expectativa é de uma colheita histórica: 2 milhões de quilos de frutos, superando a marca anterior de 2021.

Produção com identidade e sustentabilidade

No RECA, produzir é um ato de respeito ao território. O modelo agroflorestal adotado desde os primeiros anos da cooperativa prioriza o cultivo de mais de 40 espécies consorciadas, integrando árvores frutíferas, madeireiras e plantas medicinais.

Além disso, todo o resíduo orgânico da agroindústria é transformado em adubo de alta qualidade por meio de um sistema de compostagem inovador.

Esse cuidado com o meio ambiente se reflete nas certificações orgânicas nacionais, europeias e norte-americanas conquistadas por 35 propriedades. Embora a cooperativa ainda atue exclusivamente nos mercados regional e nacional, a preparação para a exportação já está em curso, com certificações que atendem exigências internacionais.

“Nós ainda não exportamos, mas já atendemos a todas as exigências para isso. Esse é um passo que certamente vamos dar nos próximos anos”, projeta o presidente.

Educação, equidade e organização social

O compromisso com a sustentabilidade vai além da terra: o RECA aposta na educação como pilar para o futuro. Com a fundação da Escola Família Agrícola Jean Pierre Mingam, os jovens da região têm acesso a uma formação adaptada à realidade rural, por meio da “Pedagogia da Alternância” (15 dias na escola e 15 dias em casa), que concilia o ensino formal com o trabalho nas propriedades familiares.

A equidade de gênero também é prioridade. Cada um dos 10 grupos da cooperativa possui representação feminina, garantindo espaço para as agricultoras nas decisões. “A mulher tem papel fundamental aqui. A força de trabalho feminina e sua visão sobre o coletivo fazem toda a diferença na nossa trajetória”, destaca Hamilton.


Reunião dos associados do RECA. (Foto: Divulgação)

Parcerias que fortalecem

O RECA nasceu da solidariedade e se mantém por meio da união. Desde a ajuda inicial da Diocese de Rio Branco (por meio do arcebispo já falecido – famoso no Acre e em Rondônia – Dom Moacyr Grecchi) e da fundação holandesa CEBEMO, passando por parcerias com instituições como a Embrapa, Natura, GIZ, INPA e Petrobras, a cooperativa soma uma rede que impulsiona projetos de reflorestamento, pesquisa, capacitação, certificação e geração de renda.

A relação com a Natura, por exemplo, envolve a compra da manteiga de cupuaçu e a implementação de um projeto REDD+ de carbono coletivo, que protege mais de 4.000 hectares de floresta.

Futuro: desafios e expansão

Apesar do sucesso, os desafios continuam. Entre eles, o combate a pragas e doenças nos SAFs e a constante necessidade de modernização dos processos industriais.

“Nossos desafios são muitos, mas temos clareza do nosso caminho. Trabalhamos para ampliar a produção e melhorar o manejo, sempre com a floresta como parceira. O RECA é uma prova viva de que é possível produzir, conservar e transformar vidas ao mesmo tempo”, reforça o presidente da cooperativa.

Para isso, o RECA desenvolve projetos como o Renovar e o Cooperar para Avançar, que promovem podas fitossanitárias, adubação e revitalização dos cultivos. “Nosso maior orgulho é ver que conseguimos manter as famílias na terra, produzir com respeito à floresta e construir uma comunidade justa e solidária. Somos RECA, somos Amazônia”, finaliza Hamilton Condack.


Centro de distribuição e processamento do RECA. (Divulgação)


Fonte: Felipe Corona/Voz da Terra
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