Porto Velho, RO - Indicadores meteorológicos apontam que uma nuvem de areia vinda do deserto do Saara está se aproximando da costa brasileira.
Dois satélites (SNPP e NOAA-20) registraram no último domingo partículas navegando na atmosfera sobre o Oceano Atlântico, próximo ao litoral brasileiro.O Serviço de Monitoramento Atmosférico Copernicus, da Agência Espacial Europeia (ESA), informou que o transporte de poeira pelas massas de ar tende a avançar nos próximos dias e vai alcançar as áreas continentais da América do Sul e do Caribe. No Brasil, estados do Norte, como o Amapá, e do Nordeste serão atingidos.
Do Saara à Amazônia: 4 impactos bons e ruins da poeira que viaja do deserto até a América Latina
O deserto do Saara está a milhares de quilômetros da Amazônia, mas as duas localidades são ligadas todos os anos por um fenômeno que desafia a imaginação.
Centenas de milhões de toneladas de poeira deixam os desertos da África, cruzam o Oceano Atlântico e alcançam a América do Norte, o Caribe e a América do Sul, onde impactam desde a saúde dos habitantes até a fertilidade do solo.
"Para se ter uma ideia da distância que a poeira do Saara percorre, da costa nordeste da África até o Caribe são cerca de 6.000 km", explica Santiago Gassó, geofísico argentino e pesquisador da Nasa, que se especializou no uso de satélites para detectar a poeira.
"E ela também atinge o norte da Amazônia entrando pelo lado da Venezuela", ressalta o pesquisador. "É uma poeira muito, muito pequena. Se tomarmos como referência a espessura de um fio de cabelo, podemos dizer que a poeira doméstica que vemos em nossa casa, por exemplo, é dessa espessura, do tamanho da areia", explicou Gassó.
Com nutrientes usados pelas plantas, como fósforo e nitrogênio, poeira ajuda a fertilizar terras da Amazônia
"Mas a que viaja por cima do Atlântico é cem vezes menor que isso: um grão não é visível a olho humano, o que é visível é o acúmulo deles."
Santiago Gassó listou à BBC alguns dos efeitos mais notáveis da poeira do Saara nas Américas Central e do Sul.
1. Fertiliza os solos da Amazônia
"Muitos desses elementos são nutrientes usados pelas plantas, como fósforo e nitrogênio, e todos esses nutrientes estão contidos no pó, que viaja e é depositado pela chuva ou simplesmente cai na floresta."
Santiago Gassó, geofísico argentino e especialista da Nasa, que estuda o uso de satélites para detectar a poeira
"Quando o pó se deposita sobre o oceano, em termos gerais podem acontecer duas coisas. Uma delas é que o pó é muito pesado e começa a submergir em direção ao fundo do oceano. Mas se a poeira demora a descer (seja porque é muito leve ou porque há muita agitação na água), na área onde estão microorganismos como o fitoplâncton ou bactérias, eles podem fazer uso dele (do pó) e liberar todos esses nutrientes que são úteis."
2. Afeta a qualidade do ar na América do Norte, Caribe e América do Sul
"O pó também atinge o Norte da América do Sul e do Caribe, o que é bem visto do satélite. Mas é difícil medir a poeira na superfície no Caribe e no Norte da América do Sul porque não há uma rede de observação de superfície, como a que existe nos Estados Unidos."
A poeira do Saara é basicamente rocha triturada, muito fina e está composta por diferentes elementos químicos
O Instituto Nacional de Meteorologia da Costa Rica (IMN, na sigla em espanhol) informou em julho do ano passado sobre a presença da substância no país, e em grande parte do resto da América Central, de uma nuvem de poeira do Saara que representa, como observado, um risco para pessoas alérgicas ou asmáticas.
O IMN informou que a concentração de poeira no Saara está na faixa de 30 a 50 microgramas por metro cúbico, um número muito alto, comparável ao de grandes metrópoles com alta poluição atmosférica.
O Instituto da Costa Rica acrescentou que, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, o perigo gerado pela poeira está em seu conteúdo de bactérias, vírus, esporos, ferro, mercúrio e pesticidas.
"Essas tempestades, quando conseguem se concentrar e atingir áreas populosas das Américas, podem provocar o surgimento de alergias e ataques de asma em muitas pessoas, especialmente aquelas que já sofriam com problemas respiratórios", disse o instituto em comunicado.
3. Pode mudar os furacões
Ele diz que, quando há muita poeira em suspensão sobre o Atlântico, ela pode ser vista por satélites.
Na Costa Rica, o Instituto Meteorológico Nacional soltou um alerta sobre os perigos da poeira para alergias e crises asmáticas
O oceano, explica, não se aquece tanto e isso muda a forma como a água evapora.
"E a evaporação da água é o que alimenta os furacões, é uma sucessão de eventos".
Gassó acrescenta que há outro aspecto que está sendo descoberto agora: a relação entre a poeira e as nuvens.
"Parece que a poeira induz a formação de granizo nas nuvens e as faz se desenvolver mais verticalmente. Uma nuvem quando cresce, se torna mais poderosa, então a chuva pode ser mais intensa, o granizo pode ser maior e causar mais destruição."
4. Pode prejudicar os corais
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"Por exemplo, o cobre é tóxico para certas bactérias e outros micro-organismos importantes na base da pirâmide ecológica marinha. Verificou-se que os corais também podem ser atacados por fungos que estão na poeira. Em seguida, quando esses elementos viajam para o outro lado do Atlântico, se depositam sobre o Mar do Caribe e, por causa de seu peso, o sedimento vai caindo e atinge os corais que assimilam esse elemento tóxico e adoecem."
Gassó explicou que a poeira atravessa o Atlântico a cada ano, em um processo que "se correlaciona com o ciclo da água, ou seja, a estação chuvosa e a evaporação que ocorre no Saara".
"Apesar haver chuvas ocasionais no Saaara, há também temporadas que são mais secas do que outras. Isso é o que permite mais suspensão e levantamento da poeira."
Gassó também estuda o impacto da poeira fria que se produz, por exemplo, na Patagônia
"No Saara, existem muitas regiões com depressões. Eram antigos lagos há milhares de anos que secaram."
"As chuvas ocasionais acumulam água da chuva nessas depressões e trazem sedimentos, rochas, poeira. Todos os verões, esses lagos evaporam e, ao evaporarem, fica o sendimento, que é o que voa."
Segundo Gassó, há muito que ainda não se sabe sobre a poeira do Saara e os eventos que ela provoca na natureza.
"Gostaria de aprender mais sobre fenômenos indiretos, por exemplo, sobre fertilização, que é um processo muito complicado."
"Porque não está muito claro como é a interação que acontece com a parte biológica, já que existem organismos que reagem à presença de novos nutrientes, e outros não".
Por: BBC