
Por Aline Rechmann
A operação da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, foi a mais recente etapa de uma espiral de crise entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a escalada das tensões deve continuar e há perspectiva de agravamento.
Em entrevista à CNN Internacional, que foi ao ar na quarta-feira (17), Lula afirmou que Trump “se comporta como um imperador do mundo”. A resposta americana veio por uma carta aberta de Trump, divulgada na quinta-feira (18), em que apoia Bolsonaro e classifica o Brasil como um regime de censura. Nela, o americano expressou solidariedade e apoio ao ex-presidente, e indicou que está "de olho" no que acontece no Brasil.
Na manhã seguinte, sexta-feira (18), Moraes aplicou medidas cautelares que proíbem Bolsonaro de se comunicar por redes socais, de conversar com seu filho Eduardo, que articula com o governo Trump nos EUA, e resultaram no monitoramento por tornozeleira eletrônica. O governo Lula passou então a investir em um discurso de que não está relacionado à decisão do STF, mas analistas ouvidos pela reportagem avaliam que o governo Trump não deve acreditar nessa versão.
A primeira reação do governo dos EUA após a operação da PF contra Bolsonaro foi determinar a revogação do visto de Moraes, seus familiares e de aliados do ministro no STF. A medida foi anunciada pelo secretário de Estado, Marco Rubio, por meio das redes sociais, na noite desta sexta-feira.
O embate dos últimos dias é um desdobramento de uma crise que estourou em 6 de julho, quando Lula fez um discurso antiamericano na cúpula dos Brics. Trump divulgou no dia 9 uma carta ameaçando impor uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros, classificando o julgamento de Bolsonaro no STF como “caça às bruxas”.
Segundo o advogado e professor livre docente de Direito da USP Cristiano Carvalho, os movimentos do governo Lula e do STF após a carta do tarifaço de Trump evidenciam uma tendência para radicalização. “O governo e o STF claramente resolveram triplicar a aposta, uma vez que a carta de Trump é claríssima em relação ao que o presidente americano considera como lawfare [instrumentalização da Justiça] e perseguição política, e à censura praticada pelo STF”, afirma Carvalho.
Para o cientista político Paulo Kramer, da Kramer Consultoria, a situação representa um paradoxo diplomático. “Quanto pior a perseguição a Bolsonaro, mais forte a inclinação de Trump a considerá-lo o único interlocutor legítimo para negociar uma atenuação do tarifaço comercial”, disse.
Trump enfrenta no momento lutas de política interna nos Estados Unidos, mas analistas ouvidos pela reportagem afirmam que é muito provável que o próximo passo do americano seja aplicar sanções diretas a membros do STF - como a que acabou de ser anunciada -, a integrantes do governo Lula ou até anunciar tarifas ainda mais altas.
Na noite de sexta-feira (18), o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse em entrevista à CNN Brasil que os Estados Unidos não vão recuar na ameaça de retaliação ao governo brasileiro.
A decisão judicial de Moraes, que impôs medidas restritivas contra Bolsonaro, acusa Eduardo de atuar junto ao governo norte-americano pedindo sanções contra membros do STF, da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal, sob o argumento de que seu pai estaria sendo vítima de perseguição política. Na visão dos investigadores, as movimentações de Eduardo Bolsonaro atendem aos interesses do grupo político liderado pelo seu pai, Jair Bolsonaro.
Na opinião do doutor em Ciência Política Fabio Ostermann, a tornozeleira eletrônica e as medidas cautelares impostas a Bolsonaro fornecem ao governo americano uma “evidência adicional” da perseguição política denunciada por Donald Trump. “O ato mina ainda mais as relações entre os dois países e torna ainda difícil um resultado favorável ao Brasil na questão do tarifaço”, comenta Ostermann.