Editorial - A “via rápida” para a restauração da democracia no Brasil

Editorial - A “via rápida” para a restauração da democracia no Brasil


Senado é a casa legislativa que pode julgar crimes de responsabilidade de ministros do Supremo. (Foto: Jonas Pereira/Agência Senado)

Porto Velho, RO - Dias atrás, a Gazeta do Povo explicou, neste espaço, por que considera que o Brasil já não vive uma experiência democrática, tantos são os elementos constitutivos desse regime que desapareceram no país ao longo dos últimos anos, da liberdade de expressão ao devido processo legal.

Encerramos nosso editorial dizendo que “diagnosticar essa realidade com clareza não é pessimismo, é lucidez. E é a partir dessa lucidez que ainda podemos, talvez, reconstruir os fundamentos de uma democracia verdadeira”. Entender como um país vai da democracia ao autoritarismo é a chave para encontrar possíveis saídas que revertam este processo – e, no caso brasileiro, ainda há uma janela de oportunidade que precisa ser aproveitada antes que nos aprofundemos ainda mais no arbítrio.

As democracias se extinguem quando seus elementos constitutivos são eliminados ou enfraquecidos, como explicamos em ocasião anterior. Não se trata apenas de eleições – até ditaduras escancaradas as realizam –, mas daquilo que chamamos “Estado de Direito” e “império da lei”. Um desses elementos é o sistema de freios e contrapesos, pelo qual um poder tem a atribuição constitucional de podar os excessos cometidos por outros poderes. Quando este sistema falha, o poder que não é devidamente freado tende a expandir seu poder cada vez mais. Se o caso brasileiro é de “um superpoder (o Judiciário) livre para fazer, reescrever e ignorar leis para impor as próprias vontades e perseguir grupos político-ideológicos de cidadãos”, é preciso olhar para seu contrapeso constitucional, o Legislativo.

O problema não está no sistema de freios e contrapesos em si. O problema está na covardia daqueles que, tendo a obrigação de ser o contrapeso, se omitem

Uma peculiaridade do autoritarismo à brasileira é que ele se consolidou não só por ação, mas também por omissão. Há, de fato, uma boa dose de voluntarismo da parte de ministros do STF que se arrogam o papel de legisladores, que decidem violar garantias fundamentais de todos os brasileiros, que condenam sem crime, que destroem a imunidade parlamentar. Mas o Congresso Nacional, podendo reagir, tem optado por não fazê-lo.

Reclama-se do ativismo judicial, de uma ou outra decisão, mas a reação não vai além. Este é o drama: o problema não está no sistema de freios e contrapesos em si. Ele está muito bem desenhado no caso brasileiro, e prevê instrumentos mais que suficientes para conter abusos da cúpula do Poder Judiciário. O problema está na covardia daqueles que, podendo colocar em prática esses instrumentos, se omitem.

Uma reprimenda especial, aqui, cabe ao Senado. Se a lista de crimes de responsabilidade dos ministros do Supremo, que consta do artigo 39 da Lei 1.079/50, fosse uma cartela de bingo, alguns dos membros da suprema corte já a teriam preenchido toda nesses últimos anos. Atividade político-partidária e proximidade com réus e outras partes em processos na corte, como em eventos patrocinados (algo “incompatível com a honra, dignidade e decoro”), tornaram-se lugar comum.

É à câmara alta do Congresso que cabe a tarefa de julgar e cassar os ministros do STF, e denúncias enviadas ao presidente do Senado não têm faltado. Mas Rodrigo Pacheco (PSD-MG) não fez absolutamente nada a respeito entre 2021 e 2024, quando presidiu o Senado; seu sucessor, Davi Alcolumbre (União-AP), já afirmou que um processo de impeachment de um ministro do Supremo “vai causar problema para 200 milhões de brasileiros” – como se a remoção de alguém que claramente comete crimes de responsabilidade e se comporta como governante absoluto do Brasil fosse um problema, e não uma solução.

Se o Senado precisa de um motivo para sair de sua inércia e cumprir sua missão constitucional de ser o contrapeso do STF, poderia contar com a Câmara dos Deputados, que não pode julgar ministros, mas teria sua contribuição a dar. A CPI do Abuso de Autoridade cumpriu todos os requisitos constitucionais para sua instalação, que não ocorreu quando Arthur Lira (PP-AL) presidia a casa; o requerimento segue dormindo na gaveta de Hugo Motta (Republicanos-PB). A investigação ali proposta não tem o objetivo de resultar na responsabilização criminal de ninguém, mas seria fundamental para jogar luz, em rede nacional, sobre todos os abusos cometidos ao longo dos últimos anos pelo Supremo.

O Brasil tem, portanto, uma “via rápida” para restaurar a democracia: basta que o Congresso reaja e faça o que deve ser feito. Já existem deputados e senadores dispostos a isso, mas por enquanto eles não têm a quantidade nem a influência necessárias – não conseguem, por exemplo, eleger um presidente de casa legislativa firmemente comprometido com o combate ao arbítrio. Essa “via rápida”, portanto, depende de a maioria acovardada despertar o quanto antes e cumprir seu papel – ou, então, de ser substituída em 2026 por novos parlamentares que tenham espinha dorsal.

Fonte: Por Gazeta do Povo
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