O que fazer para que o novo Plano Nacional de Educação não repita o fracasso do anterior

O que fazer para que o novo Plano Nacional de Educação não repita o fracasso do anterior


Foto: Flávio Florido/EducaçãoSP

Porto Velho, RO - Movimentos sociais, organizações da sociedade civil e parlamentares têm se articulado para apresentar emendas ao novo Plano Nacional de Educação, em tramitação na Câmara dos Deputados. O projeto estabelece metas educacionais até 2034 e enfrenta o desafio de superar o cenário crítico de descumprimento do plano anterior, que segue em vigor até dezembro deste ano, após ter sido prorrogado.

Um relatório apresentado no ano passado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação apontou que o último PNE completou 10 anos com apenas quatro das 20 metas parcialmente cumpridas. Do total de 38 dispositivos (considerando metas e estratégias), 34 foram descumpridos — um índice de 90%. Em três metas, houve retrocesso, como no caso da frequência ao ensino fundamental na idade adequada, do aumento do analfabetismo funcional e da precarização dos contratos docentes.

De forma geral, o novo texto, enviado pelo Executivo, é avaliado de maneira positiva pelas entidades consultadas por CartaCapital, especialmente por manter a meta de investimento de 10% do PIB na educação — atualmente em torno de 5%. Ainda assim, há preocupação com o impacto das regras fiscais sobre o financiamento educacional, além do risco de o plano perder tração diante de agendas como a militarização de escolas e a reforma do ensino médio, que esvaziam a centralidade da qualidade educacional no debate público.

“O PNE deve promover uma formação que vá além dos testes padronizados, preparando cidadãos para a democracia, para trabalhos transformadores e para uma sociedade mais justa. Também é crucial uma educação inclusiva, que ensine o respeito às diferenças e a convivência escolar, além de preparar os estudantes para um mercado de trabalho em constante mudança.

A resiliência diante de crises e a acolhida a migrantes e refugiados são outro ponto fundamental. Por fim, defendem-se metas mais ambiciosas e prazos mais curtos para garantir direitos básicos, dada a urgência educacional no país”, elenca Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, uma das instituições a incidir sobre o novo texto.

A tramitação do plano, no entanto, não se dará descolada de uma disputa política no Congresso, que tem ao centro a questão orçamentária, mas também a de garantir prioridade a uma política educacional de interesse nacional.


“As principais ameaças ao novo PNE são as tentativas de enxugar o texto, submetê-lo a uma agenda ideológica censuratória e reduzir o financiamento sob o pretexto da adequação fiscal”, pondera a pesquisadora. “Também há o risco de retrocessos em temas como gênero e diversidade, já minimizados no texto original do governo, que podem sofrer ainda mais resistência no Congresso”, completa.

Outro perigo, alerta Andressa, é a tentativa de justificar o fracasso do plano anterior como resultado de sua complexidade, o que serviria de pretexto para reduzir metas e simplificar o texto. “A mobilização da sociedade será fundamental para evitar uma aprovação apressada, sem os avanços necessários ou com retrocessos disfarçados.”

Segundo dados da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, mais de 3 mil emendas parlamentares foram apresentadas ao texto, por deputados de 17 partidos. O PT lidera com 1.028 propostas, seguido por PSOL (870), PL (404) e União Brasil (179).

Pellanda ressalta que o debate precisa ser aprofundado e não atropelado por pressões políticas. “O plano atual fracassou por falta de articulação com os planos de desenvolvimento, ausência de um sistema federativo de cooperação, cortes orçamentários e políticas educacionais que contrariam suas metas — como a militarização das escolas e a reforma do ensino médio. O novo PNE precisa ser mais do que uma carta de intenções: deve ser viável, monitorável e transformador.”

Tramitação e emendas

O projeto de lei 2614/2024 será analisado inicialmente pela Câmara dos Deputados, com relatoria do deputado Moses Rodrigues (União-CE) e sob a presidência da deputada Tabata Amaral (PSB-SP), na Comissão Especial do PNE. Audiências públicas já estão sendo realizadas para debater o conteúdo e as emendas recebidas.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação apresentou 351 propostas de emendas, em parceria com instituições como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, abrangendo todas as etapas e modalidades da educação básica e superior. Um novo plano, argumentam, precisa endereçar desafios como a crise climática, o declínio das democracias e as desigualdades estruturais.


“Não basta adaptar políticas antigas com ajustes superficiais, já que as transformações dos últimos dez anos foram profundas e as próximas décadas trarão mudanças ainda mais aceleradas. Por isso, as emendas defendem um financiamento robusto, com mecanismos claros de implementação e avaliação, sem os quais as metas não sairão do papel”, resume Andressa.

As emendas também pedem que o PNE seja integrado ao plano de desenvolvimento econômico e social do País. “Faltam conexões claras com políticas estruturais, novas fontes de financiamento e proteção do orçamento da educação contra cortes.”

Justiça racial e metas intermediárias

O Instituto de Referência Negra Peregum e a Uneafro Brasil também entregaram um conjunto de propostas ao colegiado reivindicando que o combate ao racismo seja um dos eixos estruturantes do projeto. Uma das reivindicações é a destinação de 3% do PIB à redução das desigualdades raciais na educação, via o mecanismo Valor Aluno Ano Resultado, previsto no Fundeb.


“Uma questão fundamental é garantir não só o acesso, mas sobretudo a permanência de meninos e meninas negras no sistema de ensino”, explica Adriana Moreira, coordenadora de Educação do Instituto Peregum. “As emendas precisam refletir quem são os usuários do sistema educacional. Quando a gente melhora as condições para a população negra, melhora o sistema para o conjunto da população”, avalia.

A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, com atuação voltada à primeira infância, avaliou positivamente a inclusão da equidade como princípio transversal e o reconhecimento das especificidades da educação indígena, do campo, quilombola e especial. No entanto, aponta a necessidade de estratégias mais precisas e metas intermediárias de cinco anos, o que facilitaria o planejamento e o monitoramento do plano.

Fonte: Carta Capital
Postar um comentário (0)
Postagem Anterior Próxima Postagem