Editorial - O Brasil não precisa de mais deputados

Editorial - O Brasil não precisa de mais deputados

Damião Feliciano (União-PB) foi relator, na Câmara, do projeto que sobe número de deputados de 513 para 531. (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

Porto Velho, RO - Enquanto a queda de braço entre governo e Congresso Nacional na questão dos aumentos de impostos monopoliza atenções, avança muito sorrateiramente no Legislativo um projeto de lei complementar que representa à perfeição a perversa tendência de legislar em causa própria. Na semana que vem, em meio às festas juninas e ao “recesso branco” para que os parlamentares estejam em suas bases pulando as respectivas fogueiras, o Senado deve votar o PLP 177/2023, que aumenta dos atuais 513 para 531 o número de deputados federais – os principais beneficiados pela proposta já aprovaram o texto em maio deste ano.

A origem da proposta está em uma rara decisão do Supremo Tribunal Federal que efetivamente apontou uma omissão real do Poder Legislativo, ao contrário das omissões inventadas que consistem em leis que contrariam as convicções dos ministros. A Constituição afirma, no artigo 45, que as cadeiras na Câmara devem ser distribuídas “proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições”, enquanto a Lei Complementar 78/93 determina o recálculo das bancadas estaduais usando como base os dados mais recentes do IBGE. Desde então, isso só ocorreu uma vez: em 1994, usando os números do Censo de 1985. Depois disso, o Brasil já passou por outros três recenseamentos (em 2000, 2010 e 2021), mas o ajuste periódico das bancadas não foi feito, até que o estado do Pará reclamou ao STF; em 2023, a corte constatou a omissão e deu dois anos para que o Congresso cumprisse a lei; do contrário, o Tribunal Superior Eleitoral faria o ajuste por conta própria. O prazo termina em 30 de junho deste ano.

O projeto que aumenta o número de deputados leva ao pior dos mundos: eleva despesas e ainda amplia as distorções na representação popular

No entanto, para que os estados que aumentaram sua participação no total da população brasileira pudessem eleger mais parlamentares (os principais beneficiados, Pará e Santa Catarina, passariam a ter quatro deputados a mais), outros teriam de perder, e por isso qualquer tentativa de fazer a redistribuição estaria destinada ao fracasso na Câmara. Daí a solução mais simples: acrescentar às 513 cadeiras atuais outras 18, para contemplar o pleito dos estados que deveriam aumentar suas bancadas, sem retirar nenhum deputado dos demais estados cuja população diminuiu como proporção do total de brasileiros. A Câmara aprovou o PLP 177 por 270 votos a 207 – destaque-se a oposição da maioria das bancadas de Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina, ainda que esses estados fossem beneficiados com a mudança.

Durante a votação, o texto foi defendido com argumentos bastante esdrúxulos. O relator, Damião Feliciano (União-PB), chegou ao ponto de afirmar que o PLP 177 fazia “um acréscimo modesto de 3,5%, enquanto a população nos últimos 40 anos cresceu mais de 40%” – como se o número total de deputados tivesse de crescer na mesma velocidade da população. Invocou-se, ainda, o suposto baixo custo do acréscimo: quase R$ 65 milhões anuais. Pode ser pouco para um país que prevê déficits primários na casa das dezenas de bilhões de reais, mas o problema real é outro: um Poder Legislativo que não pensa duas vezes antes de elevar os próprios gastos (bancados sempre com dinheiro dos brasileiros) perde a autoridade moral para exigir corte de gastos do Poder Executivo.

No fim, trata-se do pior cenário possível: um projeto que eleva despesas e ainda amplia as distorções na representação popular. Hoje, os estados mais populosos têm bancadas que, como proporção do total da Câmara, são muito menores que a porcentagem de suas populações em relação ao total de brasileiros: São Paulo, por exemplo, tem 22% da população do Brasil, mas 13,6% das cadeiras da Câmara atual, número que cairá para 13,1% se o total de deputados subir para 531. Por outro lado, os estados menos populosos, alguns deles com menos de 0,5% da população do país, continuarão tendo representação muito superior (no mínimo, 1,3%) à sua participação no total de brasileiros. Na prática, o princípio “um homem, um voto” não existe na Câmara dos Deputados, e continuará não existindo.

Fonte: Por Gazeta do Povo
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