Do meu apartamento quase gourmet em Paris

Do meu apartamento quase gourmet em Paris

A filósofa de esquerda Marcia Tiburi.| Foto: Divulgação

Porto Velho, RO - A contradição nunca foi um problema para aqueles que assumiram para si o monopólio da virtude política e o destino espiritual da história. 1984, de Orwell, que o diga. Duplipensar é a perfeita técnica de submissão pela linguagem: 2+2=5. O Grande Irmão sempre tem razão.

Recentemente, Marcia Tiburi escreveu o seguinte:

O capitalismo é um totalitarismo. Qualquer mudança no mundo passa pela práxis que nos livre da programação capitalista introduzida como vírus em nossas vidas. Para isso, temos que nos tornar donos dos meios de produção da linguagem e das tecnologias.

Traduzindo: Guerra é paz; Liberdade é escravidão; ignorância é força. Pois é disso que trata a definição de capitalismo como um totalitarismo, o uso da metáfora do vírus e a proposta de domínio da linguagem e das tecnologias.

Fascistas totalitários, para Marcia Tiburi, são tudo aquilo que está fora da moldura do seu espelho ideológico

Quem é o sujeito do poder embutido neste simples “temos que nos tornar donos”? Ora, afirmar que “temos que nos tornar donos dos meios de produção da linguagem e das tecnologias” consiste, justamente, na mais alta estratégia de dominação dos regimes totalitários.

O primeiro passo desse delírio é acreditar que a partir de um “eu vivendo uma vidinha particular” será possível advogar a solução da humanidade em nome de um “nós” imaginário. O segundo é encontrar um bode expiatório: ninguém precisa apelar para a demonização da economia de mercado para dizer que o capitalismo tem problemas e problemas sérios. Marcia encontrou seu Emmanuel Goldstein – o inimigo imaginário do regime político do livro de Orwell.

Aliás, essa demonização do sistema capitalista sempre terá como alvo a denominação do indivíduo defensor do capitalismo. No limite, a demonização do inimigo é outro traço presente em todos os regimes totalitários históricos. Fascistas totalitários, para Marcia, são tudo aquilo que está fora da moldura do seu espelho ideológico. Só haverá vida moral saudável, uma missão espiritual a cumprir, se estiverem em guerra, uma guerra imaginária de vida ou morte, contra um inimigo perigosíssimo.

Tiburi escreveu um livreto chamado Como conversar com um fascista. A palavra “fascista”, neste contexto, não significa o que um dia significou: o regime político de Mussolini. Derivado de “fascio”, um feixe de varas, refere-se à ideia de um “grupo político coeso”, uma “liga” que simboliza a unidade espiritual de uma nação. Fascistas odeiam a liberdade individual. O maior inimigo de um fascista é, portanto, um homem livre, livre interiormente.

Já um dos principais erros dos ardentes defensores do capitalismo é confundir a liberdade interior com a liberdade econômica. Consequência inevitável: destruir a vida privada e o senso de comunidade na lógica do consumismo. Gosto do conforto que só o capitalismo me proporciona, mas luto todos os dias para não ser escravizado pelo luxo efêmero. Por exemplo: morar num apartamento apertado em Paris e reclamar numa rede social de um porco capitalista que a vida capitalista é difícil e totalitária.

Não há nada mais fascista do que a crença de que o “inimigo” é o portador de uma doença que destruirá “nosso mundo”

Não quero com isso dizer que cada indivíduo não seja responsável por alguma coisa; todo indivíduo livre – e não o egoísta escravo dos desejos supérfluos – deve assumir as responsabilidades de todos os seus atos. Por isso, penso que Marcia está muito mais para um porco capitalista fracassado do que para uma ameaça totalitária. Se bem que não há nada mais fascista do que a crença de que o “inimigo” é o portador de uma doença que destruirá o “nosso mundo”.

A tentativa de atacar o individualismo hedonista libertino como sendo a única mentalidade capitalista, cuja consequência é a miséria material das massas ignorantes, não ajuda em nada na compreensão e na solução da miséria material das massas, pois o problema está longe de ser econômico. Há uma discreta, porém decisiva distinção entre ação econômica, escolhas morais e poder político que não se pode negligenciar aqui; e penso que há um problema bem mais interessante em toda essa miséria política do século passado que fez nascer todas essas ideologias disputando o coração e a mente dos indivíduos.

O problema é o seguinte: supor que nós temos o dever e o poder de resolver todos os dramas da humanidade do nosso apartamento quase gourmet em Paris.

Fonte: Por Francisco Razzo
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