Direita e esquerda repetem o vício de não reconhecer o que nosso país tem de bom

Direita e esquerda repetem o vício de não reconhecer o que nosso país tem de bom

| Foto: Bigstock

Porto Velho, RO - Desconfio que as coisas tenham mudado agora, com o avanço da agenda progressista; mas se você for um brasileiro de pelo menos 30 anos, até uns 50, terá crescido com loas a Cuba. O Brasil era uma porcaria, bom mesmo é Cuba. Segundo nos diziam os doutos, em Cuba todos têm saúde e educação de qualidade. Isso constituiria o Padrão para julgar países, e o fato de no Brasil as pessoas morrerem em corredores de hospitais públicos e os adolescentes saírem analfabetos da escola pública faria de nós uns imprestáveis, uns vira-latas.

A direita olha para essa realidade passada e acha que o problema era apenas o esquerdismo dos professores. Não é. Esses professores da velha esquerda incorriam num erro que é praticado por brasileiros letrados de todo tipo de corrente política, inclusive a direita. Desde o fim do século 19, é de bom tom espezinhar o Brasil. Começaram com o fato de sermos uma monarquia, quando era de bom tom ser república, porque Comte disse que o certo é ser república. Depois veio o racismo científico, e éramos um país horrível porque nosso povo é moreninho.

Depois veio o comunismo, e nosso país era horrível por sermos um país agrário e católico, com um povo bem diferente do proletário inglês, propenso à Revolução. Depois veio uma gambiarra marxista baseada em um Weber incompreendido, e nosso país passou a ser horrível por ser católico em vez de protestante. Depois veio o lavajatismo, e nosso país passou a ser horrível por causa de sua tradição ibérica patrimonialista, que, junto com a vinda de degredados portugueses lá em 1500, nos torna um antro de corrupção. Bons mesmos são os Estados Unidos, onde todo mundo vai preso e enriquece licitamente, porque seus colonos lá em 1600 eram, nas palavras de Deltan Dallagnol, “pessoas religiosas, cristãs, que buscavam realizar seus sonhos”.

Em comum com tudo isso, há o fato de a eleição do Padrão implicar o descarte do Brasil. Uma coisa é considerar que outro país, ou uma dada ideologia, traz aspectos positivos que devem ser pensados por aqui, e, depois de uma cuidadosa análise do cenário nacional, implementados vagarosamente, com muita atenção às consequências. Outra coisa bem diferente é dizer que, se o Brasil não obedece ao Padrão da vez, é um lixo.

Falta de apreciação

Em todos esses empreendimentos intelectuais, chama a atenção a falta de interesse em buscar coisas positivas no Brasil. É uma cosmovisão revolucionária, que considera nosso meio milênio de História como um mal a ser combatido, um mato no qual se deve tocar fogo para plantar segundo o Padrão da vez.

Façamos de conta que tudo o que se dizia de Cuba era verdade. Façamos de conta ainda que existe um consenso segundo o qual uma rede estatal de saúde e outra de educação são coisas desejáveis em si mesmas, independente de contexto. Será que o mero fato de ter serviços públicos de qualidade basta para fazermos uma coivara no Brasil e plantarmos Cuba? As experiências culturais e políticas dos países podem ser enxergadas como entulho?

Em vez de se deslumbrarem com os espelhinhos que os comunistas lhe entregavam, os defensores de Cuba deveriam ter guardado um certo ceticismo, e observado a existência de gente que queria fugir da ilha. Poderiam considerá-las gente de pouco juízo, mas uma vantagem brasileira revelava-se aí: por pior que fosse o nosso país, ele não impedia ninguém de deixá-lo. Entenderiam que o Brasil tem um histórico de liberdade que precisa ser levado em conta por quem queira mandar no povo.

É claro que tal consideração levaria o devoto marxista a refletir sobre a importância da liberdade, coisa que poderia abalar a sua fé. Mas, mais importante, a reflexão sobre o cenário local conduziria a uma mudança de perspectiva; deslocaria o seu ponto de vista para o do cidadão comum, um indivíduo prosaico. Planejadores e revolucionários têm o péssimo hábito de pensar sub specie aeternitatis, ou, mais prosaicamente, do ponto de vista do manda-chuva. Essa mentalidade especulativa faz com que só nos demos conta dos prazeres e liberdades quotidianos quando já não os temos mais.

Quando as liberdades democráticas estava em baixa no mercado de ideias, ninguém se importava muito em avaliar a sua presença na cultura brasileira. Depois, quando a democracia liberal entrou na moda e se tornou Padrão, seus defensores não tinham sutileza suficiente para avaliar o período militar: se não era uma democracia liberal, era o Inferno. Mas se o período militar era o Inferno, não temos como distingui-lo do Estado Novo – um período muito mais nocivo às liberdades democráticas do que o período militar, que era bipartidário e tinha eleições diretas para o Poder Legislativo. O Estado Novo é um candidato muito melhor a Inferno do que o regime instaurado em 64. Mas se tivermos em vista a Coreia do Norte, certamente encontraremos qualidades democráticas até mesmo no Estado Novo.

Não se trata aqui de autoestima coletiva. Trata-se somente do fato de que o conhecimento do seu próprio país é indispensável para melhorá-lo. Quem só se empenha em conhecer as coisas ruins despreza as boas; sem conhecer as coisas boas, fica destituído de bases culturais ou políticas sobre as quais possa erguer seu projeto. Fica fadado a começar do zero, da terra arrasada.

Falta de amor ao país na velha esquerda

Mas creio que seria otimismo demais quanto aos letrados adeptos de modismo achar que eles estão mesmo interessados na melhoria do país. Creio que estejam há muito tempo na dinâmica que descrevi em meu último texto: querem se sentir bem com esforço zero, então começam a repetir slogans do bem e, de brinde, ganham vilões para se contrapor. Eles querem se sentir bons, não querem fazer nada de útil. Ações podem ser julgadas; quem fica só no gogó é bem menos sujeito a avaliação.

Se eles se limitassem a poluir o debate público e dar más aulas de História, já seria ruim. O pior é quando eles são instrumentalizados por agentes externos a fim de entregar o país. Foi assim com o comunismo: os soviéticos usavam toda essa gente para plantar instabilidade no Brasil e tentar colocá-lo sob o jugo de Moscou. Quando o PCB se partiu, os brasileiros egressos daí ficaram na dúvida se entregavam o Brasil a Moscou, a Pequim ou – pasme – a Tirana, capital da Albânia. Gritavam muito contra o Tio Sam, chamando os militares de entreguistas e lacaios do imperialismo. Como se os entreguistas e os lacaios do imperialismo não fossem eles próprios.

Em Em Busca da Nação, Risério apontou uma excepcionalidade na velha esquerda brasileira, comparada às demais. Todos os países em que o comunismo vingou passaram do internacionalismo ao nacionalismo. Os comunistas brasileiros jamais se converteram em nacionalistas. Em vez disso, passaram a falar mal do Brasil e a tratar o nosso querido país como o pior do mundo.

Falta de amor ao Brasil no antipetismo

té 2016, o Brasil se dividia entre petismo e antipetismo. Quem gostava de Lula não gostava de Alckmin, de Moro, nem de Bolsonaro. Hoje, Alckmin está para ser vice de Lula, e Moro está em franca oposição aos bolsonaristas – mas não ao aliado de Lula. Ao cabo, o Brasil viu que Olavo de Carvalho tinha toda razão quando dizia que PT e PSDB brigavam de mentirinha, pois tinham o mesmo ideário político. Hoje vemos que o problema era pior ainda, pois o lavajatismo está mais próximo do PSOL do que da direita. De fato, Luciana Genro defendeu a Lava Jato e pôde trazer para o PSOL a aura de partido da ética. É possível falar de “erros” do PT reparados pela Lava Jato e dizer que Bolsonaro, por sua vez, é Belzebu encarnado. Por quê? Porque sim.

Agora Moro pinta o país como um lugar terrível, que maltrata florestas, e embarcou na agenda verde, que é mantida por megacorporações ESG, Estados Unidos, Europa e entidades supranacionais, tais como a OTAN e a ONU. Vendo o seu discurso, não aprendemos o que o Brasil tem de bom. Sabemos apenas que o Brasil é um antro de corrupção e que queima florestas. No afã de falar mal do Brasil, ninguém dá muita bola para os possíveis ataques à soberania nacional baseados em emergência climática (duas exceções são Comandante Farinazzo e Kim Paim, que têm participado de especiais em vídeo nesta Gazeta). Destaco ainda que megacorporações têm o poder de minar as capacidades energéticas dos países através da adesão à ESG, como a BlackRock fez nos EUA.

Os liberais clássicos e os conservadores, a seu turno, muitas vezes imitam o mesmíssimo vício dos comunistas de não olhar o que o nosso país tem de bom, enquanto idealizam os Estados Unidos. É verdade que a história do nosso irmão do norte tem muito a nos ensinar, sobretudo com a sua revolução e seu sistema descentralizado de governo. Mas é possível que os liberais e conservadores apontem para as coisas boas daquele país sem notar que agem do mesmo jeito que o comunista que elogia a medicina cubana: Cuba tinha boa medicina desde os tempos coloniais, e o regime de Fidel não só não tinha mérito, como arruinou a medicina cubana.

O que são os EUA de hoje? Basta olhar para a sociedade que eles construíram no Afeganistão. Quando os Talibãs retomaram o poder, uma das primeiras coisas que fizeram foi apagar um mural de George Floyd – e aí nos perguntamos que diabos um mural de George Floyd fazia no Afeganistão. Caso pontual? Matéria da Spectator mostra que não, pois o governo dos EUA gastou centenas de milhões de dólares em estudos de gênero naquele país. Cito um trecho: "Um relatório recente do Inspetor Geral para a Reconstrução do Afeganistão revelou as dificuldades do projeto.

Por exemplo, tanto em dari quanto em pachto não há palavra para traduzir ‘gênero’. […] Sob a liderança dos EUA, a Constituição de 2004 do Afeganistão colocou uma quota de 27% para mulheres no Congresso – mais alta do que o cenário atual nos Estados Unidos! […] Bons samaritanos criaram uma ‘Aliança Masculinidade Nacional’ para que umas centenas de afegãos pudessem falar sobre seus ‘papéis de gênero’ e ‘examinar atitudes masculinas que são danosas para mulheres’".

Os EUA de hoje são uma piada, e nós somos melhores do que eles em uma série de coisas. Para começo de conversa, aqui não temos oleodutos sendo fechados em prol de agenda verde, e – mais importante – nossas crianças não aprendem gênero na pré-escola. Qualquer apreço nosso pelos valores ocidentais tem que ser buscado nos EUA em seu passado, e não pode se refletir num alinhamento automático com qualquer coisa apodrecida que se chame de Ocidente.

Fonte: Por Bruna Frascolla
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