Crise das matérias-primas diminui, mas ainda pressiona a indústria

Crise das matérias-primas diminui, mas ainda pressiona a indústria


Problema da indústria desde a eclosão da pandemia, a escassez de insumos ainda estará no dia a dia de setores em 2022.| Foto: Volkswagen do Brasil/Divulgação

Porto Velho, RO - A falta de insumos – ou seus altos custos – segue como principal preocupação dos industriais brasileiros: apareceu como problema número um para 60% da indústria no mês de janeiro, de acordo com sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A escassez está no topo das dores de cabeça apontadas pelo setor há seis trimestres consecutivos.

Na avaliação da CNI, a persistência da crise de Covid-19 e a desordem das cadeias de suprimentos ainda contribuem para que a recuperação não se complete e mantenha o contexto de incerteza e altos custos, com destaque para a indústria de transformação. Desse modo, a reversão de gargalos logísticos poderia colaborar para a retomada.

Para 2022, a expectativa é de normalização, que, entretanto, ainda pode ser prejudicada por fatores como novas variantes do coronavírus, causador da Covid-19. A eventual necessidade de mais medidas restritivas ou impactos na mão de obra (com afastamentos de trabalhadores por causa da doença) poderiam adiar a estabilização das cadeias produtivas. Em paralelo, pode haver mudanças no comportamento de consumo, com sobrecargas de algumas cadeias em detrimento de outras – a exemplo do que já ocorreu.

A escassez de insumos assola a indústria desde 2020, quando começou o desequilíbrio nas cadeias de produção e de logística que se estende – em maior ou menor medida – até o presente.

Nesse cenário, os semicondutores ganharam contornos de símbolo da crise, como gargalo global. Como exemplo, o fornecimento de chips afetou os negócios das fabricantes de automóveis, preteridas em face da crescente demanda de outros setores, como o de eletrônicos, computadores e smartphones.

No Brasil, a crise global do componente provocou diversas paralisações nas montadoras ao longo de 2021, levando a uma redução de produção estimada em 300 mil veículos pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

Escassez de insumos persiste, mas em menor grau

Uma leitura sobre a evolução da escassez de insumos e matérias-primas durante a pandemia, elaborada por economistas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) com base em sondagem da indústria, demonstra que a dificuldade para obtenção de insumos e matérias-primas necessárias à produção diminuiu no decorrer de 2021, mas ainda afetava 42,5% das indústrias em outubro de 2021 (eram 52,4% em junho).

Sobre o tipo de insumo que as empresas têm mais dificuldades em obter, o aço foi o mais citado, apontado por 9,2% das indústrias, seguido por embalagens (8,1%) e plástico (6%).

Apesar de não serem apontados de modo generalizado na indústria, os componentes eletrônicos foram sinalizados de forma recorrente, segundo o Ibre. Para o setor de Informática e Eletrônicos, a dificuldade de acesso ao insumo é um problema para 75% das empresas (em junho o percentual era de 27,8%). Outros segmentos como Máquinas e Equipamentos (19%), Veículos Automotores (16,7%) e Máquinas e Materiais Elétricos (10,5%) também constataram maior falta do insumo naquele mês.

Como consequências do problema, industriais apontaram ao Ibre FGV o aumento dos custos de produção, citado por 57,6% das empresas, atrasos maiores (32,5%) e dificuldades na entrega dos produtos (34,1%) e também paralisação da produção e a necessidade de compras maiores de insumos para estocagem, mencionadas por 12,8% e 21,3% das empresas, respectivamente.

Em relação às previsões de normalização da entrega de insumos e matérias-primas, prevaleceu a percepção de que a normalização do cenário se dê ainda em 2022. Cerca de 31,6% das indústrias acreditam no retorno do fornecimento normal de suprimentos já no primeiro trimestre de 2022, com destaque para os segmentos de Petróleo e Biocombustíveis (85,6%) e Produtos de Plásticos (60,6%).

Outros 25% preveem normalização até o segundo trimestre do ano, com maior percentual nos segmentos de Vestuário (76,3%), Limpeza e perfumaria (65,4%) e Metalurgia (52,8%).

Aproximadamente 20% dos respondentes, entretanto, ainda não conseguem prever quando o abastecimento de insumos e matérias primas será normalizado. Os segmentos de Minerais Não Metálicos (52,6%), Informática e Eletrônicos (46,5%) e Couros e Calçados (36,4%) são os que apresentam maiores níveis de incerteza.

Curva de aprendizado na logística


As consequências percebidas pela indústria em decorrência da escassez de insumos demonstram que muitas das cadeias se tornaram mais caras em decorrência da absorção dos riscos da pandemia, com uma "curva de aprendizado, em todos os setores, [que] precisa ser vencida", na avaliação do professor e pesquisador do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Daniel Mota.

De acordo com o especialista, a indústria passa ainda pelo que se chama em logística de "efeito chicote", com subidas e descidas repentinas de oferta e demanda que provocam desequilíbrio nas cadeias de fornecimento. "Para 2022, a expectativa é de que esse chicote comece a se normalizar. Só que tem um problema sério: estamos entrando numa crise [no Brasil], o que gera outro efeito chicote em cima daquele que já foi causado pela falta de abastecimento", afirma Mota.

Na percepção do professor e pesquisador, o panorama traz oportunidade de normalizações das cadeias a partir da baixa na demanda, esperada com a crise econômica. "Não que a crise seja boa, mas é uma oportunidade. A demanda vai baixar e, consequentemente, o chicote tende a ter um movimento um pouco mais suave até que ele vire uma linha e a questão de oferta e demanda seja restabelecida", completa.

Apesar de a escassez de insumos ainda ser problema para a indústria, Mota não acredita que a escassez possa ser "o calcanhar de Aquiles da retomada".

"Depois de dois anos a gente percebe já uma adaptação e um aprendizado", afirma, ao comentar alterações nas gestões de estoque, por exemplo. "Durante muitos anos, com a tranquilidade dos suprimentos, existia uma cultura de se manter pouco estoque.

O que não é errado, porque estoque é custo, deve ser minimizado ao longo da sua cadeia. Mas, o estoque baixo é diferente de um estoque mínimo, de estoque zero, que é muito arriscado. Essa conta precisa ser feita levando em consideração, agora, os riscos da pandemia", completa.

Fonte: Por Cristina Seciuk
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