A batalha por Kiev: como a tomada de uma capital decide o rumo de uma guerra

A batalha por Kiev: como a tomada de uma capital decide o rumo de uma guerra

Bandeira da Ucrânia ao lado do Monumento à Independência, em Kiev| Foto: EFE/EPA/ZURAB KURTSIKIDZE

Porto Velho, RO
- Na madrugada deste sábado (26), a ofensiva russa sobre a capital da Ucrânia, Kiev, se intensificou. Embora o presidente Volodymyr Zelensky alegue que a cidade resiste e ainda está sob controle ucraniano, é grande a possibilidade de Moscou tomar a capital dentro das próximas horas ou dias, dada a diferença de poderio militar entre os dois países – o que pode dar um rumo decisivo para a guerra, deflagrada com a invasão russa na quinta-feira.

“Do ponto de vista organizacional, quando uma capital ainda se mantém como a capital militar e de decisão política, a sua tomada basicamente significa a queda do país. Não é à toa que quando Hitler tomou Paris, ele efetivamente ocupou toda a França”, aponta o economista e empresário Igor Lucena, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Chatham House/The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.

“A queda de Kiev seria o fim do conflito, com vitória russa. Existem casos de guerras em que a capital militar e política é transferida, então às vezes o efeito [da queda da capital administrativa] não é tão forte assim. Mas não é o caso da Ucrânia, em que drasticamente todas as decisões políticas e militares saem de Kiev”, acrescenta.

Lucena destaca que há a perspectiva de Kiev cair até segunda-feira, mas alguns movimentos podem atrapalhar isso. Ele cita a posição crescente de diferentes governos de defender a retirada da Rússia do sistema internacional Swift, pelo qual bancos de todo o mundo comunicam transações.

“Se isso ocorrer, será uma pressão muito grande no país, o que pode influenciar a capacidade russa de escalar as tropas na Ucrânia e gerar algum tipo de revés na queda de Kiev, atrasar a queda”, acredita o analista.

“Além disso, no Mar Negro, hoje comandado pela Turquia, está ocorrendo bloqueio de navios russos militares, então há um sentimento, até mesmo entre autocratas que historicamente apoiam o governo do [presidente Vladimir] Putin, como o presidente [Recep] Erdogan, da Turquia, o [Viktor] Orbán, da Hungria, de apoiar sanções drásticas contra a Rússia. Então, Moscou talvez esteja vendo reveses não programados”, explica Lucena.

“No continente europeu, o medo entre nações autocratas é que possam ser as próximas a ser invadidas. Isso está gerando um isolamento internacional muito grande de Moscou nas últimas 24 horas.”

Porém, Lucena acredita que a eventual tomada de Kiev e a vitória russa não representariam necessariamente a pacificação do país, já que muitos ucranianos não aceitariam passivamente um governo marionete ou uma junta militar governando o país. “Podemos começar a ver as pessoas nas ruas, é possível uma guerra de guerrilha”, projeta.

Vitória simbólica e Zelensky fora da mesa de negociações

Para Ricardo Bruno Boff, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), uma ocupação de Kiev seria simbólica para Putin e a Rússia. “A Rússia moderna nasceu a partir de Kiev, quando os mongóis invadiram a Rússia e ela iniciou a retomada do seu território, partiu de Kiev e aí fundaria a capital em Moscou, mais ao centro do país, justamente para se proteger melhor e ocupar regiões mais distantes”, argumenta.

“O russo é bastante nacionalista, inclusive existem russos que não são favoráveis ao Putin por diversas razões, mas olham para a Ucrânia como um país irmão ou até como uma extensão da Rússia, de fato etnicamente e em termos idiomáticos são países absolutamente próximos. A tomada de Kiev no curto prazo significaria uma posição mais forte da Rússia para colocar suas condições para o futuro da Ucrânia”, explica Boff.

Para o especialista, se Kiev cair, mesmo que não seja preso pelos invasores, dificilmente Zelensky terá condições de permanecer na presidência e negociar com Moscou, já que esta exige que todas as suas condições sejam atendidas – principalmente o compromisso da não entrada na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e na União Europeia – e o político se elegeu justamente com um discurso pró-Ocidente.

“É muito improvável que ele faça algum movimento pró-Rússia, porque perderia sua base eleitoral. Como sabe que ele não vai fazer isso, a Rússia não quer o Zelensky; pelo que tem sido dito, Moscou quer alguém de dentro do staff militar da Ucrânia, alguém com mais experiência de negociação, que conheça melhor os meandros da diplomacia e sobretudo de estratégia militar. E vai ter que negociar também com Europa e Otan”, conclui Boff.

Na sexta-feira (25), Zelensky disse que estava disposto a negociar um “status neutro” da Ucrânia, ou seja, uma não adesão à aliança militar do Ocidente. Porém, o chanceler russo, Sergey Lavrov, o acusou de estar mentindo e Moscou informou neste sábado que planeja uma ofensiva total porque Kiev se recusaria a conversar – o que o governo ucraniano nega.

Fonte: Por Fábio Galão
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